"Estas palavras não são um elogio da loucura, nem da violência, nem da droga, nem da marginalidade. Não são também a condenação disso, nem um julgamento, nem um conselho. São talvez um grito e uma denúncia da incompreensão para com os jovens. São uma denúncia do pai, do professor, do político, do padre, do conselheiro, do psiquiatra, de todos aqueles que insistem em integrar o jovem na sociedade que eles, adultos, defendem. Que defendem, mas de que se queixam e onde morrem todos os dias as flores que ainda a alguns restam dessa juventude que também tiveram e não podem já tocar. Integrar os jovens na sociedade pode parecer um acto de pacificação e até um acto de amor. Mas, se a sociedade cai de dia para dia, se a dor e a angústia são as marcas mais patentes no coração do homem, se sentimos todos que estamos como náufragos perdidos num mundo que não aguentamos, então esse acto de amor, não o é. Essa paz é podre e esse amor é falso. Se nos falta coragem para transformarmos a sociedade, transformemo-nos a nós mesmos; se essa tarefa é mais díficil do que resignarmo-nos, e queremos ainda por cima aí meter os jovens, então somos mentirosos, cobardes e impotentes. E se, por acaso, já perdemos dentro de nós, adultos, a faculdade de amar como os jovens, de arriscar e de ser irreverentes para com o que não presta nas nossas vidas, tenhamos então piedade de nós.
Agora falo contigo, jovem. Se, o que aqui escrevo - e escrever é exprimir, como quem fala e como quem respira - te der a ideia de que te estou a dar conselhos, desconfia. Não é isso. Porque só podes aconselhar-te a ti próprio, só tu podes descobrir, e não eu, nem ninguém. Se te escrevo é porque sinto necessidade de o fazer; é porque, ao observar os jovens como tu, e os adultos como eu, me apercebo que algo está profundamente errado. E as minhas reflexões, que aqui vão ficar, são apenas reflexões. Verdade, mentira, não sei. Falo do que me parece e, portanto, falo da minha verdade, que pode não ser verdade. Mas, sobretudo, escrevo-te, como tu dirias, porque sim. Amo-te e isso basta. Vejo-te incompreendido e maltratado, embora amado. Revejo talvez em ti os meus tempos de menino, quase-homem, e sei que hoje tinha razão nas minhas irreverências. Tinha razão porque a irreverência é como um estado de crisálida que quer voar, que quer ser borboleta. Mas os adultos temem muito esses voos, porque um voo é uma insegurança; nada há onde nos agarrarmos, dependemos das nossas asas, do nosso poder e de nos erguermos no espaço, isto é, dependemos de nós mesmos e vamos, de flor em flor, em busca do nectar da vida. Eis também porque essa sensação de insegurança, esse medo, mesmo daqueles que nos amam, e sobretudo desses, nos obriga a «pousar os pés» na terra. Ao invés, portanto, da passagem de crisálida a borboleta, voltamos para trás ao estado de lagarta. Bem agarrados, bem seguros, com muitas «patas» e quase sem sair do mesmo sítio. É difícil voar? Pois é. Mas voar é Ser."
in "Reaprender a viver" de Júlio Roberto
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