Ele tem a beleza dos seus altivos anos, a sabedoria de mais de meio século. É, talvez, o homem mais inteligente e sabedor que eu alguma vez conheci e, provavelmente, alguma vez irei conhecer.
Ele é a pessoa que eu conheci ontem, que me viu apenas há quase 22 anos, quando eu ainda vivia na imaginação. Mas, ontem quando o vi caminhar até mim e lhe disse 'avô', ele abriu os braços e eu deixei-me ir. Afinal, parecia que já nos tinhamos conhecido antes.
Ele é a inteligência o seu ponto mais alto, que fala recitando poesia e que recorda os tempos do passado, como se estivesse a contar uma história de amor.
Ele é o homem que guarda num pequeno papel que tem no seu bolso da camisa, juntamente com uma caneta, os números de telefone das pessoas que o visitam. A letra sempre bonita, desde que me lembro de a ver escrita nas cartas, talvez a mesma letra com que escrevia nos medicamentos que receitava às pessoas. Farmacologia como o próprio disse. 'Era enfermeiro e também fazia a parte de farmacologia', por isso tem a capacidade de recitar os princípios activos dos medicamentos e falar de saúde e dos seus termos técnicos como quem conta uma anedota.
Ele era o maior, e acho que continua a sê-lo. O maior por ser enfermeiro e farmacêutico ao mesmo tempo, o maior entre as mulheres, o maior por toda a gente o conhecer, o maior, até mesmo no meu mundo.
Ele é meigo, é atencioso. É um homem que, pelos seus 38 filhos (e cerca de 80 netos) e tantas mulheres, sabe sempre o que nós, mulheres, embora com as nossas particularidades, queremos. Mulherengo? Sim, muito. Ou não fosse ele enraizadamente africano!
- Era verdade que a avó Lídia era uma mulher muito bonita na altura? - perguntei.
- Sim... era muito bonita... - Disse ele, lembrando talvez, aqueles tempos, e guardando, para ele, todas as palavras que poderiam traduzir a beleza da minha avó.
Manual do Sacramento Sousa e Óscar Sacramento Sousa foram os homens que vieram antes dele, filhos da terra, colonizada por Brasileiros, por Angolanos, por Guineenses, por Portugueses, por Ingleses. Filhos da terra onde todos paravam. Filhos do mundo. Tetra e bisavôs paternos.
Ele é o meu avô e, nele, vejo a história do Passado. Vejo a influência Brasileira, vejo a influência Africana, vejo, especialmente a minha raíz São Tomense, a jóia de África do Equador. Nele vejo a história do próprio Continente, a história dos escravos, a história da independência, a história dos amores interculturais. Nele, vejo a minha própria história.
Ele é o meu avô e eu puderia ter ficado alí, a fazer-lhe 1001 perguntas e a ouvi-lo contar as suas histórias. Mas, de tantas perguntas por fazer, poucas eram aquelas que me afluíam ao pensamento. Ele, puderia continuar ali a falar e eu, continuaria e continuarei sempre fascinada com aquele homem que conheci ontem e que se sentou a meu lado.
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